Como nas duas temporadas anteriores, a terceira temporada de The Sinner começa com uma morte horrível. Desta vez um acidente de carro e a vítima é um homem chamado Nick Haas (Chris Messina), o homem no banco do passageiro sobreviveu ao acidente e seu nome é Jamie Burns (Matt Bomer). No começo parece que ele está tentando ajudar Nick ligando para a emergência, mas Harry Ambrose (Bill Pullman) tem outra teoria, ele acha que há algo inexplicavelmente suspeito em Jamie, e sua teoria não está errada. A análise sobre o acidente foi precisa, mas as circunstâncias que o envolvem perturbam Ambrose o suficiente para conduzir uma investigação mais profunda sobre Jamie, e por isso acabamos vendo Jamie desmoronar e queimar de dor e culpa além de conhecermos seu fascínio pela violência.
Jamie matou Nick? No sentido técnico, sim. No entanto, a formação para esse conhecimento é um colapso psicológico de um homem que levava uma vida organizada, ele é apenas um professor comum que tem uma vida agradável e uma esposa grávida chamada Leela (Parisa Fitz-Henley). No começo, não sabemos o que exatamente aconteceu entre Jamie e Nick no passado e a série leva alguns episódios antes de revelar esse relacionamento, descobrimos que Jamie e Nick são amigos desde a faculdade e que Leela não sabe nada sobre isso até Nick aparecer numa noite em sua casa.
Quando conhece Nick, Leela acredita que seu marido e Nick eram um casal, mas ela está enganada, o relacionamento entre Jamie e Nick era muito tênue e, mais complexo do que apenas amigos íntimos, ia além do romântico ou sexual. Este relacionamento é revelado ao longo da trama e em cada revelação aprendemos mais sobre Jamie e Nick. O relacionamento deles é de fato construído sobre os fundamentos da filosofia de Nietzsche, em especial sobre o conceito de “Super-Homem”. O problema é que o entendimento de Nick sobre o conceito de Nietzsche é destorcido e até prejudicial, ele pressupõe que o conceito está tentando dizer que, para ter uma vida superior aos outros seres, você precisa enfrentar a morte e não temer as consequências de suas ações.
É realmente um conceito muito interessante para explorar. Mas também muito forte e a série passa um tempo explorando profundamente o relacionamento de Jamie e Nick e seus entendimentos acerca dessa filosofia. O destaque dessa temporada é o desempenho de Jamie, que mesmo quando as coisas começam a ficar mais pesadas, permanece envolvente, ele é capaz de exibir a ferida interna causada por Nick usando apenas gestos sutis do corpo enquanto ainda consegue ser misterioso e charmoso.
Ao longo da temporada é fácil culpar Nick e seu equívoco sobre o que acontece com Jamie, uma vez que Nick estava mergulhado e envolvido profundamente em sua exploração e Jamie era mais contido e, claramente não estava confortável em chegar até onde Nick queria ir. Mas, Jamie não é tão inocente, sua culpa está em nunca desafiar a perspectiva de Nick, em vez disso, ele concorda com Nick por estar muito atraído pelos seus encantos, como resultado, ele reprime seu medo em favor de um relacionamento tóxico. E mesmo depois de anos, o medo e o trauma que ele esconde desde que conheceu Nick, ainda estão dentro dele, porque ele nunca teve uma chance ou desejou deixar tudo ir.
No minuto em que Nick reaparece, esses sentimentos que voltam a ferver dentro de Jamie, começam a atrapalhar e interferir em sua vida. Jamie finalmente tenta matar esses sentimentos, deixando Nick morrer. Mas é claro, não é assim tão fácil. Quando a dor supera Jamie, ele se lembra das conversas do passado com Nick. Foi Jamie quem contatou Nick e parece que aconteceu porque ele estava descontente com o quão mundana era sua vida como professor, casado e que logo seria pai.
Desde que Nick voltou à cidade, Jamie o encontrou e conheceu em diferentes ocasiões, tentando consertar um relacionamento que ele deixou para trás na faculdade. Todo flashback apresenta muitas camadas deste relacionamento. Percebemos que Nick sempre incentivou Jamie a fazer mais, a ser mais e foi isso que o levou à sua morte. A ideia de um homem superior está tão arraigada em Nick que, no momento de sua morte, impede Jamie de pedir ajuda, o convencendo de que ao fazer isso deixar de lado toda a sua frustração reprimida.
Quando você contém muitos sentimentos dentro de si, a única maneira de se libertar é deixar tudo passar, não esconder. Engarrafar nossas emoções é um perigo para nós e para o ambiente. Não devemos ter medo de comunicar nossos sentimentos, independentemente de quão doloroso seja, a culpa que Jamie sente não o deixa perceber isso. Ele assume que, por ser um homem e um marido prestes a ser pai, articular seus sentimentos só o fará parecer fraco.
Até o último minuto da terceira temporada, o programa não tenta explicar o que exatamente Jamie está enfrentando, nem tenta oferecer soluções para ele. Mas é exatamente isso que torna o último minuto de Jamie na temporada ainda mais trágico. Jamie está lutando para entender seus sentimentos até o fim e pior, ele se recusa a tentar fazer algo a respeito. É claro que alguns sentimentos são difíceis de articular, mas isso não significa que não devemos tentar fazê-lo, temos que começar em algum lugar se não queremos acabar como Jamie.
‘’The Sinner’’ é emocionante não por causa de reviravoltas inesperadas, mas além disso, são as conexões humanas que o programa une que o tornam fascinante. Ao explorar a psique de seus personagens principais, o programa narra uma história convincente auxiliada por resolver o mistério de não apenas quem é o assassino, mas por que ele fez o que fez.
Este tema da masculinidade tóxica não é exatamente novo em The Sinner. De fato, nas duas primeiras temporadas, o programa explorou esse assunto através de Ambrose. Assim como Jamie, Ambrose é alguém que escolhe engarrafar seus sentimentos em vez de fazer algo a respeito, ele sofreu traumas na infância, mas a diferença entre os dois é que, diferentemente de Jamie que se recusa a reconhecer que há algo errado com ele, Ambrose está ciente do que acontece com ele. Ele mantém sua família à distância, porque tem medo de se aproximar deles, os sentimentos que ele esconde dentro de si podem controla-lo e o tornar perigoso.
Embora a segunda metade da terceira temporada ainda seja um pouco frustrante é interessante testemunhar a exploração da semelhança entre Jamie e Ambrose. Ambrose é capaz de entender Nick como ninguém, porque ele vê partes de si mesmo em Jamie. O mesmo vale para Jamie. Ele continua voltando para Ambrose porque está tentando entender a si mesmo e suas emoções através do detetive. Mas quando Ambrose oferece a Jamie ajuda, ele se recusa porque ainda não entende o que acontece com ele ou o perigo que inflige ao seu redor.
Cada nova temporada “The Sinner” apresenta um conjunto de mistérios diferentes e o único tecido de conexão é o personagem do Detetive Harry Ambrose (Bill Pullman). Diferentemente dos detetives que costumamos ver em outros programas similares, Ambrose não é retratado como alguém que sempre sabe o que fazer na investigação, ele é, de fato, um personagem muito falho e vulnerável, cujo método às vezes é questionável. No entanto, por causa dessas falhas, Ambrose é capaz de se envolver com a pessoa que está investigando em um nível muito mais profundo. Ele passa o tempo compreendendo seus traumas, em vez de tentar aprender sobre seus motivos.
“The Sinner” examina profundamente a masculinidade e as emoções masculinas e é por isso que, embora algumas partes sejam familiares a outros programas de mistério sobre crimes, a qualidade que os personagens masculinos e em especial o detetive Harry Ambrose traz para a trama faz com que The Sinner pareça uma série mais interessante e atraente.
Fonte: https://www.psicologiaemseries.com.br/post/the-sinner-3%C2%AA-temporada-articulando-a-vulnerabilidade-masculina