No início, conhecemos uma fada jovem e vibrante que possui um alto senso de confiança, uma grande curiosidade e uma visão positiva da vida, esta jovem fada se chama Malévola, uma órfã que vive no reino mágico conhecido como Mouros. Ela é facilmente respeitada por todas as criaturas do reino e seu temperamento é bastante adaptável.
Como toda adolescente saudável, Malévola demonstra alta acessibilidade, ela acolhe com entusiasmo e aborda novas situações e pessoas com curiosidade, confiança e, especialmente, bondade. Ela é conhecida e querida por todos da floresta, tem o poder da cura e seu maior interesse é com o equilíbrio e harmonia do ecossistema, do qual ela sente fazer parte, na verdade “ser”.
Malévola conhece Stefan, um menino que com uma história de perda semelhante à sua, a encanta e conquista, logo esse relacionamento de amizade se transforma num vínculo amoroso intenso e significativo. Eles se apaixonam. Infelizmente os dois crescem e se separam para viverem cada um, sua jornada de vida, Stefan se entrega as tentações e vaidade dos humanos e Malévola assume seu papel de rainha e protetora da floresta.
Após muitos anos, Malévola e Stefan se reencontram e a chama da paixão entre eles se reacende, porém, Stefan estava ali para cumprir uma missão dada pelo rei dos humanos, matar Malévola. Devido seu sentimento por Malévola, Stefan não consegue matá-la, mas corta suas asas e a abandona inconsciente. Quando acorda, Malévola fica em choque e horrorizada por perceber que suas asas foram cortadas e começa a conhecer o sentido de traição. A ruptura física a deixa indefesa no chão da floresta, e ela nunca mais será a mesma depois deste ponto.
Cortar as asas de Malévola é uma violação física e pessoal. A resposta de Malévola a este trauma é compreensível, afinal uma parte de seu corpo foi arrancada, roubada dela. Inicialmente em choque e descrente, começa a compreender que a ação de Stefan não é apenas uma traição de alguém que ela pensava que a amava, mas, uma lesão irreparável, uma agressão física e emocional. As ações de Stefan também representam uma ruptura forçada na personalidade de Malévola. Suas asas representam sua identidade como fada e, muito além disso, lhe davam uma sensação de liberdade. Suas asas eram sua função no mundo como ela o entendia. Este trauma agressivo, portanto, tirou seu senso de propósito.
Malévola desenvolve sintomas de longo prazo de um distúrbio traumático, com seu propósito desonrado e seu corpo desfigurado, ela se torna retraída, entorpecida, com raiva e irritada. Mas, isso vai além do que somente uma mudança emocional. Sua visão de mundo mudou significativamente, como costuma acontecer após um trauma interpessoal.
Para dar sentido à violação, Malévola “racionaliza” o evento como algo que ela deve ter “permitido” ou introduzido. Como forma de autocensura, ela interpreta a traição como algo pelo qual é responsável. Uma vergonha tóxica se instala. Ela se sente defeituosa e quebrada, então se transforma.
A transformação dela é de autoproteção como costuma acontecer após um trauma interpessoal e de autorrealização de sua nova narrativa. Ela transforma seu mundo em um reino escuro ao lançar uma sombra sombria sobre todas as suas criaturas e seres, passando daquela criatura de luz e energia de conexão à uma governante destrutiva, uma caçadora de traição, inimiga dos homens. Ela se torna a vilã que agora vê em si mesma.
Nem toda experiência traumática leva necessariamente a problemas de saúde mental ou prejuízos significativos, o contexto e o tipo de trauma são importantes assim como o número de eventos traumáticos por que passamos.
Certamente, a morte de seus pais durante a infância foi uma perda pessoal para Malévola, mas o apoio, a harmonia e a “família” da floresta a protegeram de mergulhar nas profundezas do desespero.
A adversidade da infância de Malévola pode ter criado uma vulnerabilidade para riscos futuros em termos de retardar a “recuperação” após a próxima experiência traumática. Além disso, um trauma interpessoal (o tipo de trauma que ocorre “nas mãos de outra pessoa”, como agressão sexual, abuso físico ou emocional) é mais impactante do que o trauma não baseado em agressão, pessoas que sofreram esses tipos de traumas são mais propensas a desenvolver condições de saúde mental – como os transtornos – em comparação com pessoas que vivenciam desastres naturais ou acidentes. Por fim, o relacionamento que uma pessoa tinha com seu agressor antes do trauma agressivo também impacta significativamente a frequência e a intensidade do sofrimento que provavelmente se seguirá.
De um modo geral, quanto mais próximo emocionalmente o sobrevivente estiver da pessoa que cometeu a agressão, maior será a probabilidade de sofrer impactos negativos de longo prazo. A mudança na perspectiva do sobrevivente em relação aos relacionamentos após um trauma agressivo também é altamente provável, os conceitos de confiança, interdependência e aceitação exigem um grau de vulnerabilidade que o “eu ferido” acha muito difícil de suportar enquanto navega por novos relacionamentos.
Porque o abuso ou violação foi tão doloroso, Malévola não teve escolha a não ser se dissociar. Seu entorpecimento pode envolver a desconexão do corpo, de suas emoções e de outras pessoas. Como suas asas, ela está separada de todas as outras. Ela se esconde de sua paixão, de sua vivacidade, e a capacidade de ser vulnerável. Essa proteção é, na verdade, parte de uma resposta normal de enfrentamento. O resultado, no entanto, é um vazio inimaginável que impede Malévola de crescer, aprender ou se adaptar. Ela sente seu ambiente social como inseguro e imprevisível, devido ao potencial de ameaça humana. Neste caso, Malévola generaliza seu ressentimento de um humano para todos os humanos. O culminar desses sentimentos a leva a escolher um caminho de destruição, do qual ela se arrependerá.
Depois de algum tempo, Malévola descobre por meio de seu servo corvo, que Stefan, agora Rei, está dando uma festa de batizado para sua filha recém-nascida, Aurora. Malévola chega ao evento sem ser convidada e lança uma maldição sobre a princesa bebê. Em seu aniversário de 16 anos, Aurora espetará o dedo no fuso de uma roca e cairá em um sono profundo do qual jamais acordará, o único antídoto é o amor verdadeiro. “A maldição só pode ser quebrada pelo beijo do amor verdadeiro”, o qual é claro Malévola não acredita que exista.
A maldição que ela coloca em Aurora é um espelho de sua própria realização de desejo. Ela enterrou seu trauma de traição sem processá-lo e, portanto, se relaciona com o mundo através das lentes do rancor e das suspeitas, totalmente desacreditada dos sentimentos. Ela acessa as partes frias e cínicas de si mesma para se vingar de Stefan, enquanto também deseja a mesma solidão e perda para sua filha. Enquanto isso, Malévola cerca seu reino com uma parede impenetrável de espinhos, uma representação pura de seu estado de emoções.
O Trauma impessoal provocado pela traição de Stefan, provoca a inversão de personalidade de Malévola, transformando a criatura pura e essencialmente boa em uma vilã fria, rancorosa e vingativa.
Fonte: https://psicologiaemcontos.com.br/malevola-como-uma-traicao-se-transforma-num-trauma-que-muda-a-essencia-de-uma-alma/